segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

 MEMORIAL DO EDITAL

LEIAM E DIVULGUEM:


1             HISTÓRICO

A Feira de Artes e Artesanato de Belo Horizonte teve seu início no final dos anos 60, quando alguns artesãos e adeptos do movimento “hippie” começaram a expor seu trabalho na Praça da Liberdade. O aumento do número de expositores fez com que a Feira, inicialmente, ganhasse dois dias de exposição (quinta-feira à noite e domingo pela manhã), e os expositores, que passaram por dois processos licitatórios para demonstrar a execução de seus trabalhos, foram credenciados pela Prefeitura, que gerenciava e fiscalizava todo o funcionamento da feira que, logo, ganhou renome em todo o País. Mas o grande aporte de visitantes, muitos deles de outros Estados do Brasil, levou a Prefeitura de Belo Horizonte a se preocupar com a preservação da histórica praça, buscando um novo espaço em que coubessem todos os expositores por ela credenciados. Assim, a antiga “Feira Hippie” passou a funcionar apenas aos domingos, sob o atual nome de “Feira de Artes e Artesanato de Belo Horizonte”, na extensão da Avenida Afonso Pena, centro da cidade, entre as ruas da Bahia e Guajajaras.

A Feira passou a representar uma importante fonte de crescimento econômico, social e cultural para Belo Horizonte, ganhando ainda mais relevância e renome nacional. Todos os domingos, milhares de cidadãos belorizontinos e turistas de todas as partes do País e do mundo passaram a freqüentar a feira, quer para conhecer e adquirir os produtos artísticos e artesanais – de excelente qualidade, diga-se – elaborados pelos feirantes, quer para saborear comidas e bebidas vendidas nos setores de alimentação, quer para passear e passar o tempo. Os feirantes continuavam submetidos ao credenciamento e à fiscalização da Prefeitura, que cobrava (e ainda cobra) um valor mensal de cada expositor, valor este que se justificaria ao custeio do pessoal de fiscalização, limpeza urbana e outros recursos disponibilizados pelo Município para suporte e organização da Feira.

Vê-se, portanto, que a Feira conta com mais de trinta anos de atividade, e muitos dos expositores que ainda hoje lá se encontram remontam aos primeiros tempos, tendo tirado da Feira, como ainda tiram, o sustento próprio e de suas famílias, aprimorando seus produtos e suas técnicas artísticas ou artesanais para oferecer produtos de qualidade a preços acessíveis.

Mas, recentemente, tais expositores viram-se surpreendidos com a divulgação, pela Prefeitura de Belo Horizonte, de uma licitação para a concessão de licença temporária para exposição de produtos, e cujos critérios de aprovação são, sem sombra de dúvida, injustos, na medida em que, como se demonstrará, praticamente impossíveis de serem atingidos pela grande maioria dos expositores até hoje credenciados.

2             DAS “JUSTIFICATIVAS” PARA A REALIZAÇÃO DA LICITAÇÃO

Em defesa do procedimento licitatório, a PBH enumera algumas razões, dentre as quais enumeramos as seguintes:

a)      A suposta “desvirtuação” da Feira com a comercialização de produtos não-artesanais;
b)      A suposta “comercialização” de espaços por feirantes credenciados a outros não-credenciados;
c)       A adoção de critérios “democráticos” para o credenciamento de expositores.
Nenhum desses argumentos se sustenta, como demonstramos na sequência, destacando principalmente a alínea “c”, para o qual deixaremos para o final porque é, sem sombra de dúvida, a que mais importa neste trabalho, sem desconsiderar as alíneas anteriores porque:

a)      A suposta “desvirtuação” da Feira com a comercialização de produtos não-artesanais
Alega a PBH que a Feira de Arte e Artesanato estaria se “desvirtuando” de suas características originais, uma vez que nela estariam sendo comercializados produtos não-artesanais. Todavia, nada há que comprove tal alegação da PBH.

A palavra “artesão”, aliás, tem sua origem no italiano artigiano e traz os seguintes significados: pessoa que fabrica manualmente determinadas peças ou produtos ou pessoa que faz os seus próprios produtos e os comercializa diretamente[1]. Artesanato é, pois, o produto final do trabalho do artesão, fabricado no todo ou em parte manualmente e por ele comercializado diretamente ao consumidor final. Depreende-se que produto artesanal não é, portanto, apenas aquele fabricado totalmente à mão e utilizando apenas produtos extraídos da natureza; ao contrário, para ser caracterizado como artesanal basta que um produto tenha parte de sua produção feita manualmente e seja vendido diretamente por quem o produz. É, exatamente, o caso da Feira, sem qualquer intermediário.

Com efeito, os produtos produzidos pela esmagadora maioria dos artistas e artesãos expositores são conhecidos nacionalmente, não apenas pela sua qualidade, mas também pelo preço que faz com que, todos os domingos, aportem inúmeros ônibus de excursões vindas de todas as partes do País para compra e revenda destes produtos em seus locais de origem.

É necessário dizer, também, que produto artesanal não é sinônimo de baixa qualidade. Lembrando que a Feira conta com expositores que ali atuam há mais de trinta anos – conhecendo, portanto, o seu mercado consumidor, é natural que haja melhoramentos pelo desenvolvimento de novas técnicas, uso de novos materiais, criação de novos modelos, sem que isso signifique que o produto deixe de ser “artesanato”.

Ora, pergunta-se: se os feirantes estivessem vendendo produtos industrializados, como alega a PBH sem qualquer efetiva comprovação, possivelmente o fariam a preços superiores aos que usualmente se observam no comércio regular, haja vista que um feirante não teria capacidade aquisitiva igual à do grande comerciante junto a atacadistas e distribuidores. Aliás, como é cediço, estes usualmente vendem seus produtos a lojistas e via de regra em altas quantidades, o que, por si só, se mostra inconsistente com a ideia de que expositores individuais estariam vendendo produtos “industrializados”.

Ademais, é importante salientar que, como gestora da Feira, incumbe à PBH fiscalizar as atividades e, se necessário, aplicar as sanções cabíveis se porventura constatada alguma irregularidade cometida por algum feirante. Ora, tal situação, se constatada, consistiria em caso isolado (eis que, insista-se, a PBH não apresenta qualquer prova real, concreta e efetiva de que todos os expositores estariam comercializando produtos não-artesanais) e jamais poderia ser tomada como “desvirtualização” da Feira. Tal “desvirtualização”, de fato, não existe.

b)      A suposta “comercialização” de espaços por feirantes credenciados a outros não-credenciados

Outro argumento utilizado pela PBH é a suposta “comercialização” de espaço por feirantes credenciados, que estariam “alugando” suas barracas para terceiros não-credenciados. Novamente, estamos diante de um argumento sem efetiva comprovação e que, caso aconteça, somente pode ser atribuído à própria conduta da PBH, veja-se:

Como dito alhures, a Feira conta com mais de trinta anos de existência e, neste lapso temporal, muitos feirantes deixam de exercer suas atividades por razões variadas: falecimento, impossibilidade (física, financeira, etc) de continuar as atividades, ingresso em emprego formal, dentre outros.

Nestes casos, em todo esse tempo a Prefeitura raramente (para não dizer jamais) realizou qualquer procedimento para seleção de novos artistas ou artesãos para ocupar essas vagas. O que se sabe é que, na maioria das vezes, estas vagas eram ofertadas pela Prefeitura a pessoas que não passavam por qualquer procedimento licitatório, até para atender a pedidos políticos. Em contrapartida, no caso de falecimento do expositor titular seus sucessores não conseguiam licenciamento para exposição, ainda que tivessem aprendido o mesmo ofício artesanal com seus antepassados. Some-se a isso o fato de que a fiscalização da PBH jamais conseguiu apurar, de forma consistente e irrefutável, a ocorrência da dita comercialização de espaços. Ao contrário, justamente pela não-ocorrência desta dita “comercialização” de espaços houve um esvaziamento da Feira, o que é bem fácil de se apurar – basta verificar, nas folhas de chamada realizadas pelos fiscais da PBH todos os domingos, a grande quantidade de barracas para as quais não consta a assinatura do expositor ou de seu preposto.

Como se vê o que sempre faltou foi a devida fiscalização por parte do órgão que concedeu a concessão. Jamais por desrespeito por parte dos artesãos que fizeram e construíram aquele espaço, como dito, de renome nacional e internacional.

c)       A adoção de critérios “democráticos” para o credenciamento de expositores

Esta, talvez, seja a “justificativa” mais injusta e equivocada da PBH para a realização do procedimento licitatório que ora impõe aos feirantes, e para se chegar a essa conclusão faz-se necessário analisar os critérios e a pontuação estipulados no edital, e que se mostram, para a grande maioria dos expositores que hoje se encontram na Feira, e, acredito, para a maioria dos cidadãos, praticamente impossíveis de serem alcançados.

c.1) A avaliação socioeconômica – exclusão da grande maioria dos artesãos atuais por condições como tipo de moradia e grau de instrução

O Governo Federal apresentou recentemente a sua nova logomarca, que traz a frase “País rico é país sem pobreza”, trazendo, assim, no seu bojo a preocupação do atual Poder Executivo com a erradicação da pobreza.
Também é do conhecimento da Nação, o primeiro pronunciamento da atual Presidente da República, a grande preocupação do governo frente ao problema da educação no país.
Curiosamente, o edital da licitação idealizado pela Prefeitura de Belo Horizonte vai, justamente, na contramão do que preconiza o Governo Federal, na medida em que incentiva a falta de educação (analfabetismo) e a pobreza e falta de recursos como pressuposto para obter o credenciamento e permanecer na Feira.

Assim se afirma porque, da simples leitura do edital e dos critérios de pontuação, observa-se que o principal aspecto para a obtenção do credenciamento não é a qualidade do artesanato produzido, não é o tempo de experiência do artesão, não é sequer o seu eventual credenciamento anterior. Tampouco é a qualificação ou o aprimoramento do artesão por meio de cursos e desenvolvimento de novas técnicas artesanais. Ao contrário, segundo o edital, o que favorece a obtenção da licença para exposição é a condição socioeconômica do interessado.
De acordo com o edital, somente pessoas que têm baixo (ou nenhum) grau de instrução e residem em moradias precárias e não dispõem de veículo próprio – nem mesmo um veículo usado para uso exclusivo de transporte de seus produtos para a Feira – possuem condições reais e efetivas de alcançar a pontuação mínima exigida no edital. Ou seja, aqueles expositores que, ao longo dos mais de trinta anos, conseguiram a duras penas comprar sua residência em um dos diversos planos governamentais de incentivo à casa própria, ainda que se trate de imóvel financiado e até hoje não quitado, correm sério risco de não alcançarem a pontuação necessária para a segunda fase de avaliação, o mesmo ocorrendo com aqueles que alcançaram um grau de instrução um pouco mais avançado – além do ensino fundamental.
Também é curioso observar que um dos critérios para pontuação é a existência de dependentes. Esse critério é inegavelmente injusto pois não considera que podem existir pessoas solteiras, ou viúvas, que não têm dependentes – e nem por isso sua situação econômica pode ser considerada melhor do que a de quem, eventualmente, possui dependentes mas, por exemplo, recebe pensão ou algum tipo de benefício.

É de se ver que, a se manter tais critérios como condição para o credenciamento, a PBH, na contramão dos anseios da maioria da população do Brasil, nada mais faz do que incentivar os futuros artesãos a não progredirem em sua condição socioeconômica: não estudar, não comprar uma residência, não comprar um veículo, e nem pensar em fazer da Feira uma atividade efetivamente rentável, pois o aumento na renda familiar poderia implicar na exclusão do expositor em licitação futura, caso mantidos os mesmos funestos critérios ora adotados.

Tudo isso somente pode ser avaliado se examinarmos atentamente o Anexo III do referido edital. Atente-se para o fato de que o item 4 do edital afirma categoricamente quando da avaliação socioeconômica (que terá duas fases: a prévia e a definitiva) serão melhor classificados aqueles que melhor pontuarem nas respostas dadas ao questionário socioeconômico, devendo entregar a documentação comprobatória das respostas.

No item 3.3, alínea “b” estabelece o referido edital que serão eliminados os candidatos que “b)não obtiverem ao menos 630 pontos na avaliação socioeconômica prevista no item 4.1”. 
Vale ainda lembrar que o processo seletivo, de acordo com o item 2.5 possui três fases distintas: I – inscrição; II – avaliação socioeconômica e III – avaliação técnica.
Na avaliação técnica (III Fase), somente entrarão aqueles que obtiverem, como dito, 630 pontos na fase II, na medida de 2 candidatos por vaga, e, se houver empate, será realizado sorteio entre os candidatos.

Também, na avaliação técnica, última etapa do processo, só receberá a credencial o candidato que obtiver 206 pontos, no mínimo, aferidos pela equipe que verificará os produtos fabricados pelos candidatos (item 5.3, alínea “b”) e havendo empate ganhará o que tiver obtido maior pontuação na avaliação socioeconômica ou maior idade (item 5.6 “a” e “b”).

Passemos, portanto, à análise do Anexo III do edital onde se encontram os pontos para avaliar os critérios socioeconômicos.

O primeiro item é sobre a questão educacional. A indagação vai desde ser o candidato analfabeto até se o mesmo tem o doutorado. Veja que quem é analfabeto ganha a maior pontuação 8, tendo peso 5, o que equivale dizer que quem é analfabeto tem, de início, 40 pontos, enquanto aquele que tem doutorado possui apenas 1 ponto simples. A maioria dos artesãos que hoje se encontram na feira e fizeram dela o evento que é, possui ou o ensino fundamental completo ou o segundo grau completo, acarretando para estas pessoas apenas 6 e 4 pontos simples consecutivamente.
Assim, demonstra-se que a Prefeitura de Belo Horizonte só quer mesmo analfabetos para a composição de seus permissionários, fazendo clara apologia à falta de educação, como se não estudar fosse mérito, e não o contrário.  Vai de encontro a tudo o que se tem promovido para o desenvolvimento do país que está diretamente ligado, como é de censo comum, ao fator educacional. País inculto é pais não desenvolvido. Qualquer pessoa sabe disso, mas a Prefeitura condecora isso como mérito, e, portanto, pontua melhor aquele que jamais estudou, às vezes nem sempre por falta de condições.
Logo a seguir verifica-se outra ilegalidade. Hoje a preocupação é a inclusão do deficiente físico, mas para a Prefeitura quem é deficiente físico ganha no processo licitatório menos pontos do que quem não é. Sendo deficiente ganha 8 pontos, se não é deficiente ganha ponto 1 com peso 10, ou seja, ganha 10 pontos. E, registre-se, não há qualquer previsão de cotas para os portadores de deficiência física, o que vai na contramão da legislação, inclusive municipal, prevista na Lei Municipal 6.691/94.

Passando ao item abaixo constatamos outro absurdo. Quem mora em imóvel alugado tem ponto 8, com peso 5, o que equivale a 40 pontos. Se o candidato tiver casa própria tem apenas 2 pontos. Assim, a Prefeitura vai na contramão do slogan do governo federal, porque ser pobre vira mérito e ter um imóvel, mesmo que financiado por programas governamentais como o “minha casa, minha vida”, apenas obtêm míseros 2 pontos, o que já o empurra para ser desclassificado.

Também a avaliação do padrão do imóvel que o candidato reside demonstra a insensatez deste edital. Quem mora em barracão com 4 cômodos ou menos tem 8 pontos, com 5 de peso, equivalendo 40 pontos. Se o candidato mora em apartamento menor ou maior do que 50m2 tem 6 e 5 pontos simples. Já quem mora em casa com terreno menor ou maior de 100m2, têm, respectivamente, 4 e 3 pontos simples. Já aí dá para perceber que o analfabeto (40 pontos), que mora de aluguel (40 pontos) e mora num barracão com 4 cômodos (40 pontos) já possui, para se contrapor aos demais, 120 pontos porque não estudou e é miserável. O universo de participantes ficaria resumidíssimo, o que já implica em situação ilegal e tratamento completamente desigual entre os concorrentes.

Seguindo adiante esbarra-se no fato de se ter ou não dependentes, o que torna a situação absurda, porque as viúvas (os), por exemplo, que não possuem renda a não ser a do fruto de seu trabalho, mas não possuem mais dependentes, lhes dão apenas 2 pontos simples.
Partindo para frente procura-se saber sobre a renda e a despesa familiar. Se o candidato tem renda menor que 3 salários mínimos, ganha 8 pontos com peso 5 = 40 pontos. Se o candidato  ganha acima de 10 salários ganha apenas 2 pontos. Entretanto se sua despesa for superior a 10 salários mínimos, também é ofertado 40 pontos. Em contrapartida quem tem despesa de até 3 salários mínimos ganha 2 pontos. Assim está diante da seguinte situação: para se ter nestes quesitos 80 pontos (somando-se receita e despesa) o candidato teria que ganhar até 3 salários mínimos e deveria gastar acima de 10 salários, o que é evidentemente, um impulso a que a pessoa gaste mais do que ganhe. Em qualquer outra hipótese, o máximo que o candidato pode conseguir é 42 pontos neste quesito, lembrando-se que ele precisa, para não ser eliminado nesta fase de, no mínimo, 630 pontos.

Logo abaixo verifica-se que a Prefeitura também avalia melhor quem não tem carro. O candidato que tenha um carro, mesmo que este seja utilizado para transportar as suas mercadorias, que tenha mais de 5 anos, só tem 4 pontos simples. Quem não tem carro, ganha 40 pontos e quem só tem uma motocicleta, ganha 6 pontos simples. Isso faz com que venha a ocorrer, por incentivo do próprio órgão permissionário, uma corrida para transferir às vezes o único imóvel (normalmente financiado) e o único carro para o nome de terceiros, exatamente por achar que a miserabilidade vale muito mais do que a pessoa que quer viver condignamente do seu trabalho, tendo condições mínimas para poder levar seus produtos e vender no local permitido.

Outro descalabro é o fato de se pontuar melhor quem está desempregado. Este candidato ganha 40 pontos em contrapartida com o artesão que já se encontra na feira há mais de 30 anos, que ganha somente 6 pontos simples. Isso demonstra cabalmente como a Prefeitura quer, a todo modo, excluir os feirantes antigos e exterminar de vez com o evento que produz 0,1 do PIB municipal, de acordo com a Associação dos Feirantes, que também emprega grande mão de obra. São situações completamente desiguais e que tornam o processo ilegal.

Risível também  o fato de que recebe mais pontuação aquele que ganha menos com a venda de seus produtos. Se o candidato ganha (lucra) até 3 salários mínimos, recebe 40 pontos. Aquele que venha a ter um lucro acima de 10 salários mínimos, ganha apenas 2 pontos simples. Agora aquele que gasta (despesa) mensalmente com os custos da mão de obra, insumos etc para fabricar o seu produto mais de 10 salários mínimos, ganha 40 pontos. Mas aquele que só gasta para a fabricação de seu produto até 3 salários mínimos, ganha apenas 2 pontos. Ou seja, para ganhar 80 pontos é necessário que o candidato lucre somente de 0 a 3 salários mínimos (veja que zero salário mínimo é não ter lucro nenhum, ou seja, a pessoa sai de casa fica de 6 a 8 horas trabalhando para não ter um mísero centavo para levar para casa) terá que ter uma despesa de mais de 10 salários mínimos, o que acarretaria a insolvência civil do artesão, porque ele não teria lucro algum e ainda gastaria mais do que arrecada.
Ressalte-se, ainda, a indagação sobre o local onde o trabalho vai ser executado: se for na própria residência, ganha 40 pontos. Se não for, ganha 4. Ora, se o candidato que obteve 40 pontos por morar em um barracão alugado de apenas 4 cômodos, ele, automaticamente, estará excluído deste quesito, porque, restaria para ele a impossibilidade de executar o seu trabalho no local onde reside. Este absurdo também será evidenciado quando da análise do item final do processo licitatório, avaliação técnica, na parte de qualidade de produção.
Logo adiante a Prefeitura começa a perguntar ao candidato como é feito o trabalho, a produção, o pessoal empregado, local de venda, tipos de máquinas utilizadas, forma de produção e matéria prima.
Aqui depara-se com o seguinte: se o seu produto é feito individualmente, ou seja, o candidato não tem sócio, não tem equipe de trabalho, ou sequer familiares ajudando, ele obtém 8 pontos com peso 10, ou seja, 80 pontos. Se ele tem sócio, ganha 8 pontos simples, se tem equipe de trabalho remunerado com até 2 empregados, ganha 6 pontos simples, mas se tem equipe de colaboradores sem remuneração tendo, por exemplo, 2 filhos aprendendo e ajudando no ofício, ele ganha 4 pontos. Se tiver mais de 2 pessoas empregadas/aprendizes, ele será eliminado (e aqui nem sequer precisa ser remunerado, porque o edital é omisso). Jamais uma pessoa consegue produzir sozinha todo os produtos que são vendidos na feira da Afonso Pena. A atual feira é hoje, como se disse, conhecida nacional e internacionalmente, com consumidores de diversas partes do país, o que implica em uma demanda muito superior ao que uma pessoa apenas possa produzir. Assim, se um artesão tem vários filhos ajudando-o no ofício, por exemplo, ele pode não obter pontos suficientes para levá-lo à condição de licitante, o que poderá acarretar à sua exclusão não só da feira, como do próprio processo licitatório.

Veja ainda que há uma contradição no edital que determina 4 pontos simples para quem tem até 2 colaboradores não remunerados e, ao mesmo tempo, dá 40 pontos para aqueles que respondem ao quesito seguinte, quando alega não ter colaboradores não remunerados.

Ora, se o edital dá mais pontos no quesito anterior para aqueles que possuem até 2 colaboradores remunerados ( o que incentiva o emprego da mão de obra), no quesito seguinte a Prefeitura, contraditoriamente, dá mais pontos (40) para aqueles que não têm colaboradores.

Como se disse no inicio desta exposição, trabalho artesanal não é somente aquele que é feito de forma exclusivamente manual, sem qualquer emprego de máquinas, ou de matéria prima na natureza. Nem no tempo medieval isso era considerado. Entretanto, para a Prefeitura, foi aquilatado que aquele que faz o seu trabalho totalmente de forma manual, ganha 80 pontos, o que utiliza parte manual e parte máquina, ganha 60 pontos. Os que utilizam matéria prima da natureza, ganha 80 pontos e o que utiliza, o que é a grande maioria dos artesãos de produtos adquiridos para a fabricação de seu produto, ganha 2 pontos simples.
Assim pergunta-se: o que pretende a Prefeitura? Que a feira seja realizada apenas por pessoas que vão vender, sem qualquer qualidade ou possibilidade de venda, produtos tais como cordãozinhos de feijão, anel de caroço de fruta ou flores secas do campo? Evidente o intuito de acabar com a feira de artesanato existente hoje na Av. Afonso Pena. Ser analfabeto, ser pobre, não ter casa, nem lucro e vender produtos sem qualidade e sem procura de mercado.

Mas, mesmo que haja algum candidato que consiga 630 pontos para passar para a última etapa do processo licitatório, ele, fatalmente não conseguirá ultrapassar esta fase, que trata da avaliação técnica dos produtos, que passamos a analisar.

Nesta etapa, o candidato terá que arrecadar mais 206 pontos no mínimo para conseguir, finalmente, obter a sua credencial, sendo quase impossível chegar ao final com tal pontuação, fato que passamos a examinar.

c.2. Critérios de avaliação de “qualidade da produção”- critérios inatingíveis no caso de produtores individuais – exigências que se enquadram apenas a empresas e grandes produtores – incongruência com a avaliação socioeconômica

Dito isso, veja-se que a segunda parte da avaliação refere-se à “qualidade da produção” é totalmente incongruente em relação aos critérios de pontuação estabelecidos na avaliação socioeconômica.

Assim se diz porque, com a devida vênia, não é provável, tampouco razoável supor, que uma pessoa que tenha baixa condição socioeconômica como exigido na primeira parte do edital – baixa ou nenhuma instrução, baixa renda familiar, ausência de residência própria e veículo, por exemplo – atinja os critérios de avaliação da qualidade impostos no edital, tais como:

- POLÍTICA DE QUALIDADE
- PRODUÇÃO EM LOCAL ESPECÍFICO
- CONTRATAÇÃO DE APRENDIZES
- PROCESSO ESTRUTURADO DE COMPRAS
- DISTRIBUIÇÃO DE TAREFAS E REGISTRO DE PROBLEMAS COM MÃO-DE-OBRA
- IDENTIFICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO
- CONTROLE DE TEMPO DE PRODUÇÃO
- ESTOQUE, EMBALAGEM E COMERCIALIZAÇÃO
- CUSTOS DE MÃO-DE-OBRA
- PLANO DE AÇÃO
- CÁLCULOS DE CUSTOS DIRETOS E VARIÁVEIS
- DEFINIÇÃO DE MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO
- NOÇÃO DE PRESERVAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS
- AÇÕES EDUCATIVAS PARA PRESERVAR A SAÚDE DE APRENDIZES
- USO DE EPIs (Equipamentos de Proteção Individual)
- SISTEMA DE REGISTRO DE SUGESTÕES E RECLAMAÇÕES DE CLIENTES

A simples relação acima (que compõem apenas parte da avaliação de qualidade do edital, Anexo IV) deixa claro que é, praticamente, impossível a obtenção do credenciamento para exposição de produtos na Feira. Os pontos de avaliação acima relacionados, e que em muito se assemelham aos critérios de qualidade estabelecidos pelas Normas Internacionais ISO 9000, somente poderiam ser encontrados em empresas ou, pelo menos, em uma situação de maior escala de produção, pois nunca, em tempo algum, o artesão individual, pobre e analfabeto como quer a Prefeitura, poderia atender à grande maioria desses critérios.

É, no mínimo, curioso ver que as duas avaliações não se coadunam entre si: se, na fase socioeconômica, o edital privilegia o baixo grau de instrução, baixa renda e condições precárias de residência, como poderia exigir, na segunda fase, local próprio de produção, uso de equipamentos de proteção individual, treinamento de aprendizes e “política de qualidade”, por exemplo?

Basta ler o Anexo IV do edital para se verificar a impossibilidade entre um requisito (condição socioeconômica) e o outro  (avaliação técnica e qualidade de produção) e, claramente, compreender que quem preenche um, não preenche o outro. O que demonstra a ilegalidade absoluta do referido edital. Nenhum analfabeto, ou miserável, conseguirá atender aos requisitos da avaliação técnica.

Ora, o que se vislumbra da leitura acurada do edital, portanto, é que o mesmo foi feito de tal forma que quem é aprovado na primeira fase dificilmente passará na segunda, e vice-versa! E, INEXISTINDO PESSOAS “HABILITADAS” SEGUNDO OS INJUSTOS E INATINGÍVEIS CRITÉRIOS DO EDITAL, A FEIRA SERÁ SIMPLESMENTE EXTINTA!!!! E ESSE É EXATAMENTE O INTERESSE DESSA ADMINISTRAÇÃO: ACABAR COM A FEIRA, NADA MAIS. TANTO É ASSIM QUE NENHUM PONTO FOI ADICIONADO AO CANDIDATO QUE JÁ ESTEJA EXPONDO NA FEIRA POR PERÍODO SUPERIOR A 10 ANOS, POR EXEMPLO. ESTES EXPOSITORES, REPITA-SE, JÁ PASSARAM POR DUAS LICITAÇÕES FEITAS PELA PREFEITURA E JAMAIS TIVERAM QUE TER A SUA CONDIÇÃO SÓCIOECONÔMICA ANALISADA, OU SE É, OU NÃO, ALFABETIZADO. O QUE TIVERAM QUE DEMONSTRAR FOI SE O SEU PRODUTO PODERIA SER CONSIDERADO ARTESANAL, OU NÃO, QUE SEMPRE FOI DESDE O SEU INÍCIO, CONDIÇÃO “SINE QUA NON” PARA PODEREM RECEBER A SUA CREDENCIAL.

Os motivos, portanto, para novo processo licitatório nos moldes em que formulado, não se sustentam por tudo que foi apresentado e manter válido tal edital completamente ilegal até o julgamento do mérito,  data vênia, dará à Prefeitura o ânimo para acelerar este processo licitatório, excluindo todos os feirantes da Afonso Pena, o que acarretará a perda da renda de mais de 2000 pessoas  (chegando a 11.000 entre aqueles que participam da produção e venda) que ali expõem os seus produtos, muitos, há mais de 35 anos, o que acarretará uma comoção local e até mesmo nacional.

Espera-se, assim, diante de tais fatos, que se tenha um outro olhar sobre as regras ali impostas pela Prefeitura de Belo Horizonte, para que este processo licitatório somente possa ser deflagrado após exame detalhado do referido edital pelo Judiciário em sua instância final. Se for considerado legal, aos feirantes e aos outros futuros participantes do processo licitatório, restaria, então, somente o acatamento da decisão Judicial.




[1] Dicionário Priberam da Língua Portuguesa


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